Edição do dia 17/06/2012 - Atualizado em 18/06/2012 00h10
A fraude beneficia parentes e assessores de políticos em todo o país.
Passar em um concurso público não é fácil. E pode ficar praticamente
impossível se as vagas já estão marcadas. O Fantástico mostra o golpe
que transforma concursos em cabides de emprego. A fraude beneficia
parentes e assessores de políticos em todo o país.
Repórter: Quantos concursos o senhor acha que já fez?
Dono de empresa: Uns 500.
Repórter: De cada dez concursos que o senhor fez, em quantos houve fraude?
Dono de empresa: Oito.
Repórter: Você me dá o gabarito antes?
Dono de empresa: Fala baixo.
Dez milhões de brasileiros participam de concursos públicos a
cada ano. E uma quantidade incalculável deles está sendo passada pra
trás. Veja o que o Fantástico apurou: em todos os 26 estados do Brasil e
no Distrito Federal, os ministérios públicos investigam algum tipo de
fraude em concursos públicos. É maracutaia em todo o país! Só na Bahia,
por exemplo, foram 36 casos de irregularidades em concursos. Em Mato
Grosso do Sul, as questões de um concurso foram copiadas de uma prova
feita antes, no Pará. E, no Maranhão, um analfabeto foi aprovado graças
ao esquema montado por um secretário municipal, parente dele.
Veja o que o ex-dono de uma empresa que fraudava concursos conta. Ele diz que agora se afastou dessa atividade:
Repórter: Qual era o perfil dos candidatos beneficiados aprovados fraudulentamente?
Ex-dono de empresa: Unicamente apadrinhados políticos da administração municipal.
A maior parte das fraudes acontece nos concursos municipais.
Prefeitos e vereadores contratam uma empresa para organizar a prova e
indicam os candidatos que eles querem ver aprovados.
“A esposa do prefeito passou em primeiro lugar, a secretária de
educação passou em primeiro lugar no outro cargo, o secretário de
administração passou em primeiro lugar em outro cargo”, conta uma
mulher.
Em Novo Barreiro, no Rio Grande do Sul, aconteceu um caso
curioso: uma mulher, que tentou se beneficiar da fraude, mas acabou
reprovada, resolveu denunciar o prefeito. “Ele chegou lá na minha casa e
falou assim: ‘os meus eu tinha que deixar bem. Eu fiz o concurso dessa
maneira porque eu não ia fazer um concurso para passar qualquer um’”,
lembra.
O prefeito Flavio Smaniotto não quis comentar a acusação. “Irmã
do secretário de administração, sogra do secretário de administração,
primo do secretário de administração”, diz. A fiscal de um concurso em
Itati, no Rio Grande do Sul, notou que vários candidatos entregaram a
prova quase em branco e mesmo assim foram aprovados. “Sobrinha do
prefeito, sobrinho do prefeito, filho do prefeito”, conta.
É a oficialização do cabide de empregos. “O perfil que nós
identificamos é sempre de alguma forma ligado ao administrador. Ou por
laços de parentesco, ou por afinidade partidária, político-partidária,
ou até mesmo quem já presta serviços ao Executivo”, explica o promotor
de Justiça Mauro Rockembach.
Trinta e oito candidatos foram indiciados na cidade, mas a
maioria deles continua a ocupar os cargos conseguidos irregularmente.
Durante dois meses, com uma câmera escondida, o Fantástico
gravou conversas com representantes de empresas que organizam concursos
públicos.
No início, o contato é cauteloso, como aconteceu com Marcos Perin, dono da empresa Inova.
Marcos Perin: A partir de hoje, não pode mais ter contato comigo, tá?
Repórter: Não, não.
Marcos: Contato zero.
Os empresários não querem deixar pistas. Luiz Pereira de Souza é
o dono da Ascon: “O importante é não falarmos por telefone. Telefone é
brabo”.
Mas depois de um certo tempo, a conversa com os empresários fica
explícita. Clóvis Pauleti é sócio de Marcos Perin na Inova.
Repórter: Você consegue aprovar três?
Clóvis Pauleti: Dez vagas, três, eu consigo.
Para algumas empresas, o repórter Giovani Grizotti se apresenta
como assessor de uma prefeitura paranaense. Para outras, como assessor
da câmara de vereadores de uma cidade gaúcha. A investigação foi feita
com conhecimento tanto do prefeito quanto do presidente da câmara.
Repórter: Cinco a senhora garante a aprovação?
Neide Ferreira: Cinco eu posso garantir.
Neide Ferreira é dona da empresa DP. Para ficar com o contrato,
ela negocia propina ao suposto assessor da prefeitura e o valor da
fraude já vem com a previsão do imposto.
Repórter: O imposto da minha comissão a senhora joga no valor do contrato?
Neide: É, no contrato.
Repórter: Vamos supor R$ 19 mil. Vamos dizer que eu fique com R$ 3 mil, aí ficaria R$ 22 mil.
Neide: R$ 22 mil. Daí eu jogaria com R$ 22,5 mil.
Repórter: R$ 500 de imposto.
Neide: É.
Luís Pasinato é representante da empresa Lógica. Quando o
repórter diz que quer indicar oito candidatos, Luiz responde que isso
tem um preço: “Digamos assim que eles aceitem pôr oito. Eles pedem em
torno de R$ 5 mil por caso”.
Repórter: R$ 5 mil para aprovar cada candidato?
Luís Pasinato: Candidato indicado eles pedem R$ 5 mil.
Aqui, se negociar direito, ganha desconto.
Repórter: Esse valor que você me deu, R$ 5 mil, é o que a empresa costuma cobrar?
Luís Pasinato: Vamos ver. É o que costuma, mas eu estou pensando
que é para dois, três cargos. De repente, para essa quantidade, fique
bem menos.
E o representante da Lógica pede mais um dinheirinho por fora,
na conta dele: “Como é um caso de extremo risco para mim, de alta
confiabilidade, melindroso, eu sempre peço alguma coisa por fora. É para
engrossar um pouco para valer a pena. E aí eu gostaria que você me
depositasse, assim que estiver contratado e tudo definido, R$ 3 mil na
minha conta”.
É a comissão da comissão. Ou seja: além de pagar para as
empresas, paga-se também propina para o representante da empresa.
Negócio fechado. Agora o suposto assessor quer saber como os seus
candidatos serão aprovados no concurso.
“Isso aí você deixa comigo que eu sou especialista. A gente faz o
concurso com tudo normal, bonitinho. A pessoa faz a prova e não comenta
com ninguém. Depois, nós trocamos o gabarito”, explica José Roberto
Cestari.
Repórter: Tira o cartão que o candidato preencheu e bota um cartão com as respostas certas.
Luiz Pereira de Souza: Isso.
“Só que ele não pode bater com a língua nos dentes e falar: ‘não
passei’. Se ele falar ‘não passei’, seja para quem for, como é que você
vai ajeitar a vida do cara?”, ensina Celso Rangel de Abreu.
Celso Rangel de Abreu é diretor da empresa RCV e explica como
faz a fraude: “Ele tem que dizer que foi bem. ‘Foi bem, acho que deu pra
passar’. O que eu vou fazer para essa meia dúzia? Eu vou imprimir
novamente os cartões-resposta, vou pedir para ele assinar”.
Repórter: Ou seja, o cartão-resposta vai ser trocado.
Celso: Vai ser trocado.
Repórter: Onde ele marcou errado, você marca certo.
Celso: Eu marco certo.
Foi isso que a fiscal do início dessa reportagem descobriu ao
rever os cartões de respostas que, no dia da prova, tinham sido
entregues quase em branco. “Quando os cartões-resposta vieram estavam
todos preenchidos”
Repórter: Mas se denunciarem não dá problema? “Não”, garante Luiz Pereira de Souza.
“O promotor vai achar que você não tem capacidade em uma
prova?”, questiona José Roberto Cestari, dono da empresa Cescar. “Isso
aí tu deixa comigo que eu sou especialista”, avisa.
Ele ensina ao suposto assessor uma forma de não chamar atenção
para a fraude: adiar a convocação dos apadrinhados: “Se você tem dez
vagas, você passa o cara lá em oitavo, nono lugar. Chama dois esse mês,
depois chama mais dois. Porque os mais visados são o primeiro e segundo
lugar”.
Você deve estar indignado com os truques de quem frauda
concursos públicos. Então preste atenção em mais um: a venda do gabarito
antes das provas. A mulher que denunciou o cabide de empregos em Novo
Barreiro diz que o prefeito da cidade vendia as respostas certas por um
valor que depois era descontado no salário de quem entrava no esquema.
Repórter: Como que o prefeito conseguiu justificar este desconto nos salários?
Fiscal: Porque eles fizeram como se as pessoas tivessem feito um
empréstimo no banco e dividido para as pessoas pagarem.
Mas o banco nega que esses empréstimos tenham sido feitos. Um
candidato do Rio Grande do Sul seguiu as regras e tentou passar
honestamente em um concurso que agora é investigado por fraude. Mesmo
sendo a vítima, ele prefere não aparecer: “Eu, minha esposa e o meu
filho, a gente queria uma oportunidade, que o lugar é pequeno, tem pouco
trabalho. A gente tentou pelo menos um salário melhor, uma estabilidade
melhor”, diz.
“É muito injusto que, enquanto alguns estudam, correm atrás,
gastam seus recursos financeiros, seu tempo, sacrificam família para
passar em um concurso público, e outra pessoa vai e compra esse espaço”,
destaca Augusto de Souza Neto, presidente da Associação Nacional de
Concurseiros.
“Quando a gente fala em fraude em concurso, a gente está falando
de você botar corrupto e gente que vai ficar achacando a população. Nós
temos inclusive projetos no Congresso que estão parados sem a atenção
devida. E essa lei de concursos tem que criar instrumentos para que uma
empresa de fundo de quintal não possa fazer concurso”, afirma o juiz
federal William Douglas.
Repórter: Seu Luís, você vende vagas em concurso público, é isso?
Luís Pasinato: Eu não vendo.
Repórter: O senhor está sendo acusado de fraudes em concursos públicos, o senhor confirma?
Luiz Pereira de Souza: Claro que não.
Repórter: Nunca aprovou ninguém de maneira fraudulenta?
Celso Abreu Rangel: Certeza absoluta.
Repórter: Não cobra imposto sobre propina?
Neide Maria Ferreira: Imposto não, de jeito nenhum.
Marcos Perin é sócio de Clóvis Pauleti.
Repórter: O senhor está sendo acusado de fraude em concursos públicos, o que o senhor tem a dizer?
Marcos Perin: Nada, não tenho nada a dizer.
Repórter: O senhor nunca ofereceu vaga de maneira fraudulenta em concursos públicos?
Marcos Perin: Nada.
“Eu achei que foi cachorrada. Muita gente deixou de fazer muita
coisa, se deslocou de longe, foram feitas de palhaço”, reclama o
candidato honesto.
Repórter: O que o senhor pensaria de uma empresa que fraudasse concursos públicos?
José Roberto Cestari: Eu acho que ela está fazendo uma coisa muito errada.
Fonte: http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1681007-15605,00-GOLPE+TRANSFORMA+CONCURSOS+PUBLICOS+EM+CABIDES+DE+EMPREGO.html
Assistam ao vídeo!!
http://tinyurl.com/d5rlmpt